segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Estereótipos


Uma animação leve, bem disposta... e carregadinha deles.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Pela Alteração do Código Civil Acesso ao Casamento Civil sem Discriminações

A UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta - associa-se e apoia a luta das organizações portuguesas, no sentido de verem reconhecido o direito ao casamento civil para todas as cidadãs e todos os cidadãos independentemente da sua orientação sexual.
(...)Embora a Constituição consagre no seu artigo 13º a eliminação de todas as formas de discriminação, o Código Civil mantém essa discriminação no que se refere ao casamento de pessoas do mesmo sexo. Para a UMAR a lei tem que ser conforme à realidade e não pode atropelar a Constituição da República. A negação do acesso ao casamento civil de lésbicas e gays portugueses é uma restrição grave à liberdade e uma forma de discriminação inaceitável.
A UMAR reclama que no próximo dia 10 de Outubro a Assembleia da República assuma as suas responsabilidades, aprovando os projectos de lei que prevêem a alteração do Código Civil no que se refere ao acesso ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. As deputadas e deputados portugueses terão oportunidade, através do seu voto, de mostrar que têm dos direitos fundamentais, da cidadania e da democracia uma visão que não discrimina ninguém, cidadãos e cidadãs do exercício e do direito à felicidade.

Novo Código do Trabalho

Haverá maior equilíbrio das leis laborais?
Será realmente o caminho para o progresso?
As mulheres serão mais prejudicadas?

O novo Código de Trabalho aprovado na Assembleia da República, é claramente um retrocesso civilizacional. Na realidade representa maior exploração, mais horas de trabalho, salários mais baixos, maior abuso dos recibos verdes, legalização da precariedade laboral em nome da ameaça de desemprego, e ainda, maiores abusos no campo do trabalho temporário.

Só poderá haver equilíbrio quando as leis laborais forem feitas para proteger o elo mais fraco que são os trabalhadores, que apenas têm para vender a sua força de trabalho. As alterações em curso têm como objectivo proteger a parte mais forte, que é quem detém os meios de produção, que são as entidades patronais, sejam estas públicas ou privadas.

O Governo, que promove o embaratecimento do trabalho ao reduzir as horas de trabalho extraordinário pago, ao alterar o horário de trabalho, que pode ser “um factor de conflitual idade acrescida” e ao reduzir o espaço da contratação colectiva, desfere um rude golpe nos direitos e desorganiza a vida dos trabalhadores e das suas famílias. Não menos preocupante é também o alargamento do período experimental para 180 dias (6meses). É assim “violada” a estabilidade do emprego, não havendo portanto qualquer equilíbrio - o que há, é a imposição da lei do mais forte aos mais fracos.

É claro que com toda esta situação as mulheres serão ainda mais prejudicadas porque todas(os) sabemos que a maioria trabalha nos sectores onde o recurso ao trabalho nos períodos de “ponta” serão mais utilizados e também não é menos verdade se dissermos que ainda é sobre uma grande parte delas que recaem as tarefas da casa e da família. Já pensaram o que será uma mulher trabalhar até às 22 horas e ainda ter que tratar dos filhos, das refeições e da casa?

Se com este novo Código de Trabalho o Governo respeitasse:

* O princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador, conforme a tradição do direito do trabalho em vigor desde há muitos anos;

* Se a precariedade fosse limitada por exemplo: contratos a termo a um ano, no fim passagem a efectivo;

* Se o horário de trabalho fosse reduzido de forma progressiva para as 35 horas como forma de disponibilizar mais postos de trabalho para quem está desempregado;

* Se a idade de reforma fosse antecipada para os trabalhadores nocturnos e por turnos e para outras profissões mais desgastantes;

* Se fosse permitido a readmissão do trabalhador em caso de despedimento ilícito;

Aí sim, estaríamos a progredir. Mas o que constatamos é exactamente o contrário: uma vontade sem limites para que os trabalhadores Portugueses passem a ser conhecidos como os escravos do Século XXI o que, convenhamos, é deveras inaceitável.


Assunção Bacanhim

domingo, 28 de setembro de 2008

Vidas Adiadas

A Sara e o António namoram há 6 anos e já acabaram os seus cursos,ela há 3 anos e ele há menos. Inscreveram-se no IRE, mas nenhum deles conseguiu um simples estágio profissional. Ela apenas teve reuniões de informação sobre o serviço militar e o empreendorismo; acabou por conseguir, sem qualquer apoio do IRE, um contrato a prazo num sector que não o da sua licenciatura. Ele, depois de uma experiência quase traumatizante numa multinacional, está neste momento numa outra experiência, também sem qualquer apoio do IRE. Desejam juntar as suas vidas e ter a sua própria casa mas adiam esse projecto por não terem rendimentos certos que lhes permita perspectivar o futuro. Ambos já vão a caminho dos 30.
A Rita e o João casaram muito jovens para fugir a problemas familiares por parte dela. Tinham ambos contratos de trabalho efectivos, pediram um empréstimo bancário para adquirirem a sua própria habitação. Entretanto ela ficou desempregada, mais tarde grávida e apenas teve direito a poucos meses de subsídio de desemprego, não tendo sido abrangida pelo subsídio de maternidade porque o bebé nasceu um mês após a data burocrática para ter esse direito. Total insensibilidade por parte do IRE, que não procurou ajudar este jovem casal aflito. Deixaram de poder pagar a prestação ao banco, tentaram renegociar e depois de muitos esforços conseguiram uma pequena descida, mas mesmo assim não era possível fazerem frente a essa despesa. Passaram fome e se não fosse a solidariedade familiar tinham sido postos na rua com um filho pequeno. Hoje são emigrantes sazonais a trabalhar e a viver em condições deploráveis só para poderem pagar o banco e não ficarem sem a sua casa. Adiaram o seu projecto de vida e passam as maiores dificuldades.
A Vanessa estudou pensando que um dia poderia ter um emprego estável; apaixonou-se e casou com o Ricardo que também tinha o mesmo sonho e ficaram a viver em casa dos pais dela. Entretanto ingressaram no mundo do trabalho, sempre com contratos a prazo e agora ao fim de 3 anos de ele estar a trabalhar numa grande empresa dizem-lhe:” se queres continuar a trabalhar aqui tens que passar recibo verde” passando ele a ficar com metade do ordenado, porque o resto vai para pagar impostos que deveria ser a empresa a suportar, nomeadamente a parte da segurança social. Entretanto ela está grávida e feliz mas a perspectiva de renovação do contrato está posta em causa e o futuro é negro. Se não fosse a solidariedade familiar a situação era quase de desespero.

Poderia dar mais exemplos, mas estes três casos verdadeiros, (os nomes foram alterados por razões óbvias) são apenas uma pequena amostra dos milhares de jovens que nesta terra têm o seu projecto de vida adiado porque vivem numa situação de grande precariedade laboral que não lhes permite sonhar e ser feliz.É por isso que é insuportável tolerar tanta insensibilidade por parte de entidades que deveriam são responsáveis por alterar esta situação mas que agem totalmente ao contrário, dizendo que nada é preocupante porque no resto do País ainda é pior - o que até pode ser verdade, mas com o mal dos outros bem podemos nós...
Para quando uma outra atitude sobre o apoio aos jovens que querem trabalhar na sua terra? O que faz realmente o IRE que deixa muitos jovens completamente ao abandono e nem um estágio profissional lhes proporciona? E os empresários desta terra quando é que vão valorizar os recursos humanos dando oportunidades aos jovens com formação em várias áreas tão importantes para o bom funcionamento duma empresa?

Guida Vieira

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Lei do Divórcio: conservadorismo ou salvaguarda dos direitos

As reservas morais e conservadoras que alguns têm, não devem impedir que se faça a leitura da realidade e se tente aperfeiçoar os métodos que fazem a mediação da vivência em sociedade.

Para aqueles que argumentam com uma suposta desprotecção daquela a que chamam “a parte mais fraca”, surgem várias perguntas:

Com a Lei anterior a Mulher estava mais protegida? No caso de ter optado por não trabalhar fora de casa, os seus interesses ficavam salvaguardados?

Os filhos, quando ficavam à sua guarda, recebiam garantidamente pensão de alimentos? Quantos casos conhecem de crianças que simplesmente não recebem um tostão para a sua alimentação, vestuário, educação, etc. ficando essa responsabilidade apenas para a mãe?

Muito há a dizer sobre esta matéria, porventura, nunca se conseguirá uma Lei, sobre esta ou outra matéria, que consiga prever todas as situações e resolvê-las para que ambas as partes saiam satisfeitas. Não podemos esquecer que estamos a lidar com sentimentos, medos, partilhas, perdas.

Não podemos esquecer que as situações de violência doméstica começam por se resolver com pedidos de desculpa mas terminam nas ameaças: se sais de casa não levas nada, nem os filhos; Se sais de casa, mato-te! Infelizmente, em muitos casos é só desta forma que ela sai de casa.

Li muitas opiniões e ouvi muitos argumentos e há uma ideia comum no discurso daqueles que estão contra esta Lei: é a de que o casamento é, para todas as mulheres, uma instituição a manter, custe o que custar, e que o divórcio é a última coisa e a pior que pode lhes acontecer, quase como se ficassem sem direito à existência.

Ora, para muitas mulheres o casamento é/torna-se uma prisão cujas grades não conseguem transpor por causa da ameaça física e psicológica, da chantagem e da falta de auto-estima a que o menosprezo sucessivo levou.

· Este ano, já Mulheres já perderam a vida. Os casos de violência sobre as mulheres, nomeadamente os de violência extrema, ocorrem em períodos de separação/divórcio, ou seja, períodos de grande conflito que envolvem partilha dos bens, custódia dos filhos, motivos que, por vezes, são usados como chantagem.

· Em nosso entender, quanto mais rápido e menos burocrático for o processo de divórcio, sem que o casal tenha de passar pelo ridículo da atribuição da culpa e, por conseguinte, de quem tem mais ou menos direitos ou bens, menos hipóteses há de se extremar as relações que podem levar a situações de violência.

Célia Pessegueiro

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

A Lei do divórcio: a verdade dos factos

  • Se a lei anterior era tão boa e protegia “a parte mais fraca” como é que há Mulheres que saem das suas casas sem recuperarem nada do que foi o seu contributo para o casal?
  • Se a lei anterior era tão boa e protegia “a parte mais fraca” como é que os filhos menores ficam, muitas vezes, sem uma pensão de alimentos?
  • Se a lei anterior era tão boa e protegia “a parte mais fraca” como é que só nos primeiros seis meses deste ano já foram registadas 7800 queixas de violência contra as Mulheres?
  • Se a lei anterior era tão boa e protegia "a parte mais fraca" como é que só nos primeiros seis meses deste ano morreram mais Mulheres do que a média dos anos anteriores?
Célia Pessegueiro

sábado, 16 de agosto de 2008

Jantando também nos entendemos


Foi interessante a nossa conversa que decorreu num local calmo, com manjares diferentes e perfumados e que terminou noutro local bem mais “barulhento” a discutir religião e o papel da mulher.

Só mesmo a Elisa para conseguir “guiar” esta conversa, não desprezando o contributo da Célia e da Assunção que pareceu tão letrada nesta matéria de Papas e religiões. É engraçado como às vezes conhecemos uma pessoa durante toda a vida e existe ainda tanto para descobrir...

Eu senti-me a apreciar as opiniões, gostei de ver o entusiasmo e o calor das ideias e não senti “vontade” de contrariar algumas, como é meu hábito, nem que seja para desplotar polémica. Desta vez limitei-me, na maior parte do tempo, a apreciar as opiniões muito ponderadas da Célia - às vezes até acho ponderação a mais, mas que também fazem bem à alma, lá isso é verdade. Descobri que a Elisa é muito mais que uma professora, embora adore a sua profissão, que tem muitas opiniões fundamentadas sobre vários aspectos da vida, fundamentadas a mais diria eu numa situação normal, mas nesta nossa conversa tudo parecia um pouco mágico e novo, pelo menos para mim que estava a descobrir muito mais sobre as minhas amigas feministas. ADOREI!

É engraçado como o feminismo ultrapassa os nossos contactos formais como conseguimos abrir horizontes de amizades que nada têm de sectário, bem pelo contrário, e quando cheguei a casa, antes de adormecer só pensava como alargar esta cumplicidade a mais pessoas que queiram partilhar as suas vivências preocupações e opiniões sobre o que ainda falta fazer para acabar com a estúpida discriminação da mulher.

Já só penso no próximo jantar mas desta vez vamos levar cada uma, mais uma feminista?

Guida Vieira

quarta-feira, 16 de julho de 2008

O Congresso Feminista e a Violência Sobre a Mulher


1- Participei no Congresso Feminista que se realizou em Lisboa em Junho e ao contrário do que alguns têm escrito sobre o feminismo, acho que este congresso foi uma grande realização, com uma participação de mais de 500 pessoas, cuja maioria foram realmente mulheres ligadas às Universidades, às Artes, às Letras e também ao Activismo do qual tenho muito orgulho em fazer parte.

2- Foi uma grande manifestação dos saberes e da inteligência das mulheres, muita vezes desprezada por quem domina as sociedades e sobretudo ignorada por aqueles que detêm o poder, que preferem manter o défice de participação das mulheres a fazê-las participar nas áreas de poder efectivo, pois isso pode colocar em risco o domínio masculino no mundo. Aí eles não brincam, nem abrem mão - basta ver o que esceveu Miguel Sousa Tavares sobre o congresso para entender que, em nome da “pseuda” igualdade de oportunidades, eles julgam que já deram tudo o que podiam “dar” às mulheres e que por isso não podemos exigir mais. Mas o congresso exigiu mais; exigiu um mundo sem violência, aquela que diariamente cai sobre muitas mulheres e que muitos fingem não querer ver, porque o que reina é a hipocrisia e o falso moralismo, que preferem ignorar o que se passa à sua volta, porque é assim que a sociedade está organizada para funcionar.

3- No entanto bastou uma personalidade pública, da área do poder regional, ver “in-loco” uma brutal agressão a uma mulher, perpetrada por um brutamontes, para se voltar a dizerr que, afinal há violência sobre a mulher e que o Governo Regional, ao contrário do que esta personalidade tem afirmado na parlamento, quando são propostas medidas mais concretas de apoio às vitimas neste tipo de situações, ainda não fez o que era possivel para colocar na ordem do dia medidas contra este tipo de problemas, que envergonham a democracia e os direitos humanos. E bastou este facto para ver a importância de alguns temas serem discutidos no feminino. Sim, porque se não forem as próprias mulheres a encontrar respostas para os problemas que as preocupam, ninguém fará isso por elas, é pena que algumas só acordem quando não há remédio.

4- O que se passou às claras na Estrada Monunental, e a passividade de quem “assistia”, é o pão nossso de cada dia em muitas casas de “família” da nossa terra, daquelas famílias mais tradicionais (algumas bem colocadas) que ainda consideram que a barbaridade de “entre marido e mulher ninguém meta a colher” é um bom “princípio” a manter. Santa hipocrisia! Por mim vou continuar, enquanto puder, não só a meter a colher, como a denunciar que a violência doméstica é um dos maiores flagelos da humanidade, que devia ser banida com pena de prisão imediata, afastamento do agressor da casa comum e com apoios especiais às vitimas para que estas possam viver, e sobreviver, com a dignidade que merecem.

5- E aos que dizem que já existem homens que também são vítimas de agressão de mulheres proponho que as mesmas medidas sejam a essas aplicadas, porque acima de tudo não queremos que os maus exemplos do machismo sejam trazidos para o feminismo. As feministas que se encontraram no congresso querem um mundo mais justo, igualitário, partilhado, diversificado, solidário, onde não se julgue com base no género e onde não exista violência de ninguém sobre ninguém e onde sejam respeitadas as opções de cada pessoa sejam elas políticas, ideológicas, sexuais ou religiosas. Quem está contra isto que tenha a coragem de se manifestar!


Guida Vieira
Publicado no DN Madeira a 16 de Julho de 2008

segunda-feira, 7 de julho de 2008

A Pobreza no Feminino: uma ilha no centro da Ilha


O trabalho que agora se apresenta resulta do esforço de quatro pessoas: Assunção Bacanhim, Célia Pessegueiro, Elisa Seixas e Guida Vieira, que se juntaram para fazer uma reflexão sobre a forma como a pobreza afecta as mulheres madeirenses. E iniciamos roubando as palavras do nosso conterrâneo Herberto Helder:

“O som de mulheres correndo, lembradas, correndo
Como éguas abertas, como sonoras
Corredoras magnólias.
Mulheres pela noite dentro levando nas patas
Grandiosos lenços brancos. (…).
Lenços vivos com suas patas abertas
Como magnólias
Correndo, lembradas, patas pela noite viva.
Levando. Lembrando. Correndo.”

Escolhemos trazer a este Congresso um retrato breve das nossas inquietações como mulheres feministas na Ilha. Como tal, afloraremos não o que se cumpriu, mas o que está por cumprir. O sub-título escolhido reflecte, de alguma forma, este incumprimento: a mulher madeirense é, muitas das vezes, uma ilha no centro de uma outra Ilha.

Não temos dúvidas em afirmar que a pobreza seja qual for a sua manifestação, constitui esse oceano que a aparta e a aprisiona nesta espécie de dupla insularidade. Sente, muitas das vezes, que está irremediavelmente só. Repetimos: não temos dúvidas em afirmar que a pobreza, seja qual for a sua manifestação, a par com o obscurantismo cultural e a luta pela defesa das necessidades básicas, afasta as mulheres da luta feminista. Acresce ainda que, paradoxalmente, o consumismo fácil que caracteriza os nossos tempos favorece todos os factores avessos à emancipação feminina.

Na Região Autónoma da Madeira esses factores são francamente visíveis, na medida em que existem múltiplas razões que vincadamente os explicam e perpetuam, quer no passado quer na actualidade. Enunciemos então, os mais gravosos:

No passado eram poucas as mulheres que trabalhavam fora de casa; as que escapavam a esta inevitabilidade, tinham rendimentos ainda muito baixos que provinham usualmente do bordado que faziam em casa, fruto de trabalho árduo até altas horas da noite à luz do candeeiro de petróleo. Estas mulheres, exploradas a todos os níveis mas sem qualquer participação na vida social, eram consideradas naturalmente inferiores com a missão primordial de cuidar da casa, do marido e dos filhos. Poucas eram as que podiam aspirar a uma vida diferente, já que só algumas tinham acesso à escolaridade obrigatória ou a bens culturais.

Em uma das conversas que promovemos em relação ao Congresso, dizia-nos o Professor Nelson Veríssimo que falta, na História da Madeira, a Mulher escrita – e portanto, a inscrição inequívoca do contributo feminino na História da Ilha. E alertou-nos para o perigo da história uma vez mais repetir-se – de as mulheres de hoje não transcenderem para amanhã as suas lutas muito suadas, na maioria das vezes a custos pessoais elevadíssimos.

No presente, apesar de uma notável transformação sobretudo ao nível das mentalidades – e graças a uma grande participação das mulheres, primeiramente na escola e depois no mercado de trabalho – assistimos ainda assim a um grande défice de participação e intervenção das mulheres no espaço público, muito por culpa do facto de a maioria trabalhar ainda nos sectores menos qualificados e, como tal, mal pagos – como por exemplo hotelaria e serviços; as mulheres constituem também a maioria dos pensionistas da Região, sujeitas a pensões de mera subsistência; a maioria, abandonada nos hospitais ou nas suas casas habitadas unicamente pelas mesmas, vive num completo abandono que não pode ser permitido em pleno século XXI.

Não poderíamos deixar de salientar que a violência doméstica continua a ser um flagelo suportado maioritariamente no silêncio dos lares, legitimado pela crença de que é natural que o homem possa descarregar as suas preocupações sobre a mulher. Esta crença fundamenta-se numa perpetuação de costumes ancestrais, em que as próprias mulheres interpretam, frequentemente, a agressão como manifesto de amor ou de preocupação. Muito há ainda a realizar no que diz respeito aos relacionamentos a dois, em que ainda se alimenta a noção de chefe de família, pedra angular do lar, tornando a mulher em assalariada sem salário, sujeito de muitos, de incontáveis deveres e muito poucos direitos. Salientemos também que são cada vez mais as mulheres que resistem e recusam este tipo de prática, optando corajosamente pela separação, suportando o peso da desaprovação das pessoas que constituem a organização social da localidade onde estão inseridas. A corroborar o que acabamos de afirmar, há registo de já no ano 2008, um homem ter morto a sua ex-mulher a tiro e alguns vizinhos o defenderem na comunicação social com os argumentos de que ele era uma boa pessoa e que obviamente o acto se justificaria com algo que ela certamente havia feito. Este constitui-se, certamente, como o nosso problema mais premente, como ilustram os dados da Presença Feminina, uma ONG dedicada a este problema, e que no ano transacto trabalhou com 379 mulheres agredidas, das quais 77 contactaram a organização pela primeira vez. De referir que no presente ano, foram atendidos 185 casos, dos quais 48 são novos.

Será também de assinalar o trabalho da religião nesta meada que agora desfiamos. Tradicionalmente, a Igreja tem um grande poder sobre a maioria destas mulheres, para quem os lugares “sagrados” representam, simultaneamente, um refúgio e uma alienação que as afasta de outras lutas. A este respeito, relembremos as palavras de Beauvoir, que nos diz que “Há uma justificação, uma compensação suprema que a sociedade sempre se esforçou por conceder à mulher: a religião. É preciso uma religião para as mulheres, como é preciso uma para o povo e exactamente pelas mesmas razões: quando condenam um sexo, uma classe, à imanência, é necessário oferecer-lhe a miragem da transcendência.” E a mulher madeirense continua metodicamente, embriagada por esta miragem da transcendência, a encher os bancos das igrejas, bem como os seus cofres; não esquecemos que ainda se cobra, em algumas paróquias, “a desobriga” pascal, uma espécie de indulgência fora de tempo. De salientar que uma instituição cuja organização reflecte uma clara exclusão da mulher dos cargos de decisão legitima e fomenta, em grande parte, a ausência da mulher nas decisões da organização social que também a ela diz respeito.

A pobreza financeira é também um problema maior. Muito se tem dito e escrito, sobre as supostas benesses fiscais concedidas à Ilha. Delas falam quem nunca teve que gerir o ordenado em função dos preços praticados sob a tirania da insularidade e das supostas despesas acrescidas no transporte. E o que é certo é que quando uma mulher está preocupada em contar os cêntimos até ao fim do mês para poder, pelo menos, comprar o mínimo para a sua familia não está aberta a outras questões que se lhe afiguram, no imediato, menos importantes; aliás, até considera ridículo que alguém lhe fale de outra coisa que não seja o que a preocupa: colocar comida na mesa.

Não é por acaso que muitas de nós, quando em contacto com estas mulheres, ouvimos algumas ofensas, tais como “se tivessem problemas como nós, não se preocupavam com essas tonterias de feminismos “.

Mulheres formadas e informadas apressam-se a afirmar que a luta pela emancipação já não se justifica, de que o feminismo está ultrapassado e de que é um disparate insistir nestas questões; de que, obviamente, devemos ser malucas ultrapassadas – ou a ultrapassar; e aqui surge então o velho chavão, repetido em forma de oração, de que certamente será a infelicidade que nos move nestas questões tão estapafúrdias.

É por tudo o que foi anteriormente enunciado que o conceito de pobreza não pode ser visto apenas do ponto de vista financeiro, embora tenha um grande peso para a evolução da mulher. É certo que ninguém se emancipa se não tiver acesso, primeiramente aos bens essenciais à sua sobrevivência, mas a pobreza de “espirito”, a mentalidade do deixa andar, o pretensiosismo, a ausência de comprometimento social, entre outros, são entraves para que as mulheres consigam dar maiores passos na sua emancipação.

Na Madeira, a nossa luta não tem sido, nem se afigura, fácil; aos inúmeros factores anteriormente explanados, acresce o facto de existir quem efectivamente concorde com as posições por nós defendidas; certo é que a maioria teme dar-lhes rosto, quer por medo dos estereótipos imediatamente associados, quer pela forte influência das diferentes formas de poder que não estão, de forma nenhuma, interessadas em que esta luta avance. Faz falta na Madeira um movimento permanente, resistente, que coloque na ordem do dia as questões femininas. Faz falta maior consciência social.

Urge que a mulher madeirense se torne objecto de reflexão e de preocupação pública; é imperativo que a mulher madeirense se pense publicamente e que não se deixe ensombrar pelos receios que a têm mantido arredada destas questões. Existem alguns exemplos mais recentes de que isto é possivel, mas para isso é necessária ajuda do movimento feminista nacional e da UMAR, porque a Madeira também é Portugal e porque o feminismo também tem que passar, obrigatoriamente, por nós.

Prólogo

A comunicação por nós apresentada aconteceu no dia 26, pelas 14 horas, na sala 3 da Fundação Calouste Gulbenkian, no painel Mulheres, Pobreza e Exclusão Social. Atribuímos à nossa intervenção o seguinte título: A pobreza no Feminino: Uma ilha no centro da Ilha.
A moderação do painel ficou a cargo de Vânia Martins. O comentário às várias comunicações, anterior ao debate, foi feito por Ana Maria Braga da Cruz.

Dia 26 - A agenda feminista




Subsídios para um entendimento plural.

Palavra de voluntária

Cheguei à Gulbenkian no dia 25, com as malas atreladas. Isto porque inscrevi-me como voluntária, pelo que havia muito que preparar.
Naquele dia, não consegui usufruir plenamente da Fundação. Aliás, conto lá voltar com mais calma, a fim de degustar calmamente dos jardins que rodeiam o edifício e fazem com que nos sintamos, estranhamente, no limite das salas onde decorrem os vários painéis.
Mas no dia em que cheguei, não percebi nada disto. Concentrei-me nas pessoas, tentando relacionar os rostos aos nomes que já conhecia pela troca de mail's.
Abriram-se as hostilidades pelas dezoito horas, quando tivemos permissão para começar a organizar as salas e distribuir os pc's, com os suportes informáticos enviados previamente pelas/os conferencistas. Deixamos o secretariado pronto para o dia seguinte.
Depois de assegurarmos o possível, reunimos num agradável restaurante numa rua próxima, um espaço magnífico que nos arrancava ao centro da cidade e nos transportava para um quintal simpático; distribuímos tarefas, aprofundamos cumplicidades, fixamos os rostos aos nomes. Gente de Braga, Porto, Coimbra, Lisboa, Açores e, claro, Madeira.
Pela primeira vez vi uma magnífica osga que nos observava atentamente, suponho que tentando decorar os detalhes, não fosse o caso de precisarmos de uma voluntária a mais.
Minhas senhoras e meus senhores: estávamos a escassas horas do início do Congresso.

Elisa Seixas

domingo, 6 de julho de 2008

Em breve

Daremos conta da nossa passagem pelo Congresso. Das nossas impressões, reflexões e afins. Traremos também a comunicação que apresentamos no dia 26, no painel de Mulheres, Pobreza e Exclusão Social. E fotografias.
É só um bocadinho, que queremos organizar a documentação.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Fomos mais - a conversa de 18 de Junho

Anunciamos duas convidadas. Tivemos cinco.
A Lília Remesso e a Luísa Pessanha juntou-se a Dr.ª Altina Barros e a Dr.ª Teresa Carvalho. A primeira está afecta à Segurança Social de Câmara de Lobos; a segunda, da Equipa de Apoio às MulheresVítimas de Violência Doméstica. A juntar a este magnífico painel, tivemos a participação da Professora Helena Borges, da ONG Presença Feminina, responsável por magnífico trabalho também na área da violência doméstica.
A conversa esteve, portanto, bem lançada. Primeiramente, tomaram a palavra cada uma das nossas convidadas, e o público presente teve a oportunidade de conhecer uma outra face da nossa realidade. Falou-se de precariedade, de pobreza, de violência, de crianças. De linhas de emergência, de acolhimento, de cuidadores. Falou-se de mendicidade e de abrigos. De casas e da falta delas. De violência nas casas.
Primeiramente, tomou a palavra a Dr.ª Lília Remesso, que apresentou o trabalho realizado até aqui pela Associação para o Planeamento Familiar. Da sua vocação para a formação e informação, nomeadamente a hábitos mais saudáveis de relacionamentos a dois - do desenvolvimento da noção dos direitos sexuais e reprodutivos, bem como o desenvolvimento de competências parentais, nomeadamente nas populações mais jovens.
De seguida, foi dada a palavra a Luísa Pessanha, que apresentou a face oculta da Associação Protectora dos Pobres, muito para além da sopa que é comummente conhecida. Falou-nos de realibilitação e de auto-estima - da devolução da humanidade a homens e mulheres que se desapossaram dessa dimensão e que a determinada altura se julgaram indignos dela.
A Dr.ª Altina falou-nos do trabalho desenvolvido num dos concelhos mais problemáticos - e que é também o mais jovem a nível europeu. Neste concelho mais jovem, 95% das pessoas atendidas - e, portanto, carenciadas - são mulheres. Não será estranho, se ponderarmos que geralmente não pedem só por si mesmas. Um outro dado pertinente remete para o facto de as queixas em relação a violência doméstica aumentam nas zonas mais rurais do concelho.
A Dr.ª Teresa Carvalho alertou, por outro lado, para a total desesperança de que as mulheres sobreviventes de casos de violência sofrem. São, segundo as suas inspiradas palavras " ilhas na própria família". Abordou a ambivalência destas situações, dos desejos pouco claros, da dificuldade de discernimento e da confusão de afectos. Abordou também a perspectiva do maltratante a apontou para caminhos que podem remeter para a total recuperação de algumas relações que parecem quebradas. Apontou caminhos de mediação que restabelemcem laços de ternura.
Do outro lado, a Professora Helena Borges apresentou o magnífico trabalho da Presença Feminina, que desde 1995 tem efectuado um magnífico trabalho, apesar da escassez de apoios e de espaço. Para além da linha de apoio, detém uma casa-abrigo que tem constituído um balão de oxigénio para muitas mulheres sobrevivente de violência doméstica.
Foram mais de duas horas de conversa em que muito ainda ficou por dizer e discutir. Concluímos a conversa que ia longa, com a promessa de uma reedição.


terça-feira, 17 de junho de 2008

É já amanhã!

Madeira na Rota do Congresso Feminista:
Conversas Em Torno do Feminino

Dia: 18 de Junho
Hora: 19 Horas
Local: FNAC Madeira

Convidadas: Lília Remesso - Presidente da Associação para o Planeamento Familiar.
Luísa Pessanha - Presidente da Associação Protectora dos Pobres.

A Ilha na rota do Feminino: a uma semana do Congresso Feminista em Lisboa, as temáticas do Feminino continuam a ser pensadas entre nós. Que questões nos são colocadas hoje, ao repensarmos as questões de Género? Que rasto deixa a mulher madeirense na Ilha?

Nesta segunda conversa, procuraremos tematizar a exclusão social da mulher e alguns dos factores que para tal contribuem.


quinta-feira, 12 de junho de 2008

A nossa conversa com Daniela Maria e Nelson Veríssimo

Foi deveras interessante a conversa na FNAC com o professor Nelson Veríssimo e com a jornalista Daniela Maria, onde participaram também outras pessoas que estiveram a conversar durante duas horas, sem intervalo e sem ser necessário inscrição prévia.
Ficamos a saber que se as mulheres quiserem se inscrever na História têm que deixar rastos, de preferência solidamente documentados. Se assim não for pouco, poderão fazer os historiadores no futuro para que a História não continue a ser escrita maioritariamente no masculino, como tem acontecido até agora.
Acho que a própria conversa pode ser um desses rastos, pois os dados apresentados pela Daniela Maria em relação ao papel da mulher na comunicação social e à sua falta de poder de decisão, mesmo que percentualmente representada nos diversos orgãos, assim como os dados históricos colocados por Nelson Verisssimo, particularmente quando falou na mulher de Gonçalves Zarco e do papel das Freiras no Convento de Santa Clara poderão ser registos a ficar para utilizações futuras.
Gostei da participação entusiasmada das e dos participantes que colocaram questões muito pertinentes e que nos devem ajudar na comunicação que vamos fazer no congresso. Foi incrivel conhecer algumas pessoas, pela primeira vez, e já estarmos a debater assuntos que nos interessam mutuamente; sem dúvida que os problemas das mulheres nos unem, embora possamos ter visões diferentes, assim como respostas distintas a dar aos mesmos.
Falámos na necessidade das mulheres terem poder sobre as suas vidas, porque o pior que pode acontecer é a dependência de outrém. Dissemos que os tempos actuais trazem grande preocupação em relação ao futuro e que existe mesmo algum retrocesso em relação aos direitos adquiridos nos últimos trinta anos devido sobretudo à situação de grande precariedade que se vive actualmente, particularmente entre os mais jovens onde muitas vezes as ideias do feminismo não são bem aceites.
Existe tanta coisa que pode ser feita a vários níveis, mas sobretudo na cultura e na partilha de saberes, pois estas são áreas fundamentais para ajudar a mudar mentalidades que Falámos na esperança de um mundo melhor onde a força das mulheres seja uma realidade. Mas para isso, há ainda um longo caminho a percorrer e o congressso feminista deve ser um grande passo que vai ajudar a que na Madeira mais mulheres (e homens) continuem a se encontrar, criando uma grande corrente que contrarie a falta de solidariedade que por vezes existe, mesmo nas próprias mulheres. continuam a desprezar o papel da mulher em todos os campos da sociedade.
Vamos fazer do Congresso Feminista o nosso ponto de encontro para futuras conversas e a próxima é já no dia 18, no mesmo local e à mesma hora.

Guida Vieira

Conversas em torno do feminino - dia 4 de Junho


A prova cabal de que as palavras são como as cerejas está na tarde/noite que tivemos no café da FNAC. Oradores assertivos e uma plateia atenta e entusiasmada fizeram as duas horas de conversa.
O ambiente informal tornou o evento muito intimista e descontraído, daí que o nosso intento tenha sido conseguido: conversar em torno das questões do feminino de forma descomplexada e agradável.
Muito positiva, a nosso ver, a intervenção activa das pessoas que se deslocaram ao local a fim de ouvirem o que os nossos convidados tinham a dizer. Colocaram-se problemas sobre a mesa, discutiram-se pontos de vista, fizeram-se exortações à reflexão, debateram-se ideias.
E venham mais: palavras e, já agora, cerejas também.

Elisa Seixas

domingo, 8 de junho de 2008

"No escurinho do cinema"

A FNAC associa-se a nós e não nos cede apenas o espaço para as conversas quinzenais, como também promove um ciclo de cinema intitulado "Na Rota Feminista".

Na semana anterior, no âmbito deste ciclo foram projectados os seguintes títulos:
02.06 - Marie Antoinette, de Sofia Coppola.
03.06 - Transe de Teresa Villaverde.
05.06 - As Virgens Suicidas, de Sofia Coppola.
06.06 - Flores de Aço, de Herbert Ross

Na semana que agora se inicia, teremos a oportunidade de visionar:
09.06 - Segunda-feira, 19h30 - Tudo Sobre a Minha Mãe, de Pedro Almodovar.
10.06 - Terça-feira, 19h30 - Volver, de Pedro Almodovar.
11.06 - Quarta-feira, 19h30 - Fur de Steven Shainberg.
12.06 - Quinta-feira, 19h30 - Vida Interrompida, de Peter Jackson.
13.06 - Sexta-feira, 19h30 - A Juventude de Jane, de Julian Jarrold.

terça-feira, 3 de junho de 2008

É já amanhã!

Madeira na Rota do Congresso Feminista:
Conversas Em Torno do Feminino



Dia: 4 de Junho
Hora: 19 Horas
Local: FNAC Madeira

Convidados: Daniela Maria
Nelson Veríssimo

A Ilha na rota do Feminino: a menos de um mês do Congresso Feminista em Lisboa, as temáticas do Feminino chegam antecipadamente até nós. Que questões nos são colocadas hoje, ao repensarmos as questões de Género? Que rasto deixa a mulher madeirense na Ilha?

"Não se considere esta questão como antecipadamente decidida pelos factos e pelas opiniões existentes, mas sim aberta à discussão sobre os seus méritos, como questão de justiça e conveniência."
Stuart Mill


Porque é a conversar que a gente se entende, convidámo-lo(a) a comparecer na FNAC e a debater connosco as nossas relações a dois.

domingo, 1 de junho de 2008

A semana passada aconteceu

Conferência de Imprensa de apresentação dos objectivos das iniciativas que terão lugar na Região.



O início dos trabalhos: A FNAC é nossa parceira nas iniciativas que terão lugar ao longo do mês de Junho.


Ao longo do mês de Junho:

1 - Madeira na rota do Congresso Feminista - Conversas em Torno do Feminino:
a primeira 4 e a segunda a 18 de Junho, na FNAC, pelas 19 horas.

2 - Ciclo de Cinema subordinado à temática.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Feminismo sossegadinho*

Robert Doisneau

Se dúvidas houvesse sobre a pertinência de um congresso feminista 80 anos depois do último, o bastonário da Ordem dos Advogados desfê-las com as declarações que, um pouco por todo o lado suscitaram algum repúdio público. Não fiquei particularmente surpreendida, porque é este o discurso cada vez mais dominante: não são precisas medidas efectivas sobre estas questões, já que está tudo mais ou menos resolvido, já que estamos muito melhor que há vinte anos (e se pensarmos em relação a oitenta...). O discurso do "já não é preciso" é, na minha perspectiva, perigoso, na medida em que substima e escamoteia problemas reais, procurando despi-los da sua real dimensão. Aliás, o exemplo apresentado ilustra ess discurso cada vez mais disseminado entre homens e mulheres, que se dizem e querem emancipados.
Não tenhamos dúvidas: eu, cidadã do Estado Português, nunca me vi envolvida em nenhuma situação de violência doméstica; eu, nascida na Ilha da Madeira, tive acesso à educação e à possibilidade de me tornar uma cidadã com participação activa. Contudo, não é a partir do meu exemplo que pauto todos os outros. Sei, porque vejo adolescentes que continuam a ser educadas para o universo do lar, adestradas para a obediência e para poucas ambições fora desse plano. Sei, porque ouço adolescentes que continuam a referir-se às primeiras namoradas como propriedade, e os planos futuros construirem-se sobre uma ideia de um casamento que lhes traga uma mulher que lhes faça a comida. Sei, porque lhes ouço os comentários sobre como o ciúme é uma prova de amor, de preocupação, de carinho. E preocupa-me que digamos que agora está tudo bem - preocupa-me que alguém com responsabilidades acrescidas, como o Bastonário da Ordem dos Advogados, considere pertinente retrocedermos no que foi conseguido ao longo deste tempo e evoque - de forma mais polida, é certo - o velho ditado que entre marido e mulher ninguém deve meter a colher. E temos os dezassete óbitos destes primeiros meses de 2008 a confirmar a justeza de um retrocesso da natureza que o senhor evoca.

*A expressão é da autoria da Isabela, de O Mundo Perfeito.

Elisa Seixas

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Madeira na rota do Congresso Feminista 2008 - Conferência de Imprensa

A UMAR, através do seu núcleo Regional de apoio ao Congresso Feminista 2008, convida os orgãos da comunicação social regional a estar presente numa conferência de imprensa que terá lugar no dia 28 de Maio, pelas 11 horas, no Café da FNAC, Madeira Shoping.

Esta conferência tem como objectivos divulgar a realização do Congresso Feminista 2008 que vai realizar-se em Lisboa entre os dias 26 a 28 de Junho e anunciar as iniciativas de âmbito regional integradas no mesmo, iniciativas essas que têm como lema Madeira na Rota do Congresso Feminista.

Desde já agradecemos a vossa presença.

Célia Pessegueiro
Elisa Seixas
Guida Vieira

Contacto:
madeiranofeminino@gmail.com

domingo, 25 de maio de 2008

Este é o MEU corpo

"A ela cabe tudo que é belo, até mesmo a própria palavra beleza... é uma boneca... estou cansada dessa farsa."
Germaine Greer

A farsa está presente em todos os quadrantes da nossa organização social. e apetece citar o poema de Wordsworth, e o esplendor na relva, a glória da flor aqui resume-se à aparência: ao parecer jovem e, acima de tudo, ao (a)parecer magra, que o resto é interdito.
Efectivamente, estamos peranteuma farsa, em que a mulher é, por excelência o elemento principal, mas também atenta espectadora. Deixa-se encarcerar nos padrões impossíveis criados por rostos anónimos que, antes como hoje, lhe ditam comportamentos e formas de estar aceitáveis ou não. E a mulher, não contente com o facto de se castigar, de punir o seu corpo e tentar transformá-lo à força no que não é - nem tem de ser - estende essa obsessão ao corpo das outras.
Agora como no princípio: o corpo, sempre o corpo: corpo belo, corpo deformado, novo corpo, corpo novo, corpo a esconder, corpo velho, corpo a mutilar, belo corpo, corpo gozado, corpo feio, corpo público. Para quando simplesmente corpo?
Elisa Seixas

Actualização: Comentário da Célia Pessegueiro

É um texto muito pertinente, sobretudo para a época que se avizinha. Os corpos ficam mais expostos devido ao calor que se faz sentir e a mentalidade dos novos tempos empurra, sobretudo as mulheres, para o abismo da perfeição. Este é o MEU corpo em vez de "o corpo é meo", passe a publicidade, determina a atitude confiante com que olhamos para o nosso corpo que é, em grande parte, como deixamos que os outros olhem para nós.

sábado, 17 de maio de 2008

Pecado Original

Salvador Dali

O pecado original da mulher foi ousar-se pensar. Ou melhor, o pecado da mulher - o original - foi o de ousar-se pensar em voz alta, num tom audível aos homens e às restantes mulheres, que continuam a vê-la menos que homem.
A mulher agigantou esse pecado quando saiu da sua esfera e ousou também ela pensar o homem, e as relações do homem. Tornou-se, também ela, ser político. E este último atrevimento ainda não lhe foi perdoado. Num espaço predominantemente masculino, a mulher consegue a pulso reinvindicar um espaço que seja também seu e permite-se, escandalosamente, a regressar do exílio a que foi votada.

À mulher não é reconhecido, naturalmente, mérito. O "naturalmente" aqui evocado prende-se à linha de raciocínio mais comum e que efectua um percurso inverso, consoante o género: o homem é competente até prova em contrário. A mulher, por outro lado, é incompetente até prova(s) em contrário. Ainda assim, pelos corredores, persiste na voz em surdina de outros homens e outras mulheres, alusões a esse espaço conquistado: sempre pouco lícito, troco de corpo - esse campo de batalha sangrento, onde sempre tombou a dignidade feminina, mas nunca a masculina.
Porque foi sempre considerada o pecado mais secreto do homem, em segredo era esperado que permanecesse. A sua ousadia é, por isso, sem limites. Imperdoável.
Persiste a diáspora feminina.


Elisa Seixas

terça-feira, 6 de maio de 2008

Violência Doméstica: um flagelo dos velhos e dos novos tempos

Continua a entrar pelas nossas casas a informação de que continuam a morrer muitas mulheres por crime de violência doméstica. Só no primeiro trimestre deste ano já morreram 17 mulheres; outras ficaram afectadas para toda a vida, muitas em estado grave, conforme anunciou a UMAR em conferência de imprensa.
Ainda há poucos dias, na Madeira, soubemos que um homem na Serra de Água matou a tiro a ex-mulher e depois deu cabo da própria vida. Ouvimos, sobre esse caso, alguns vizinhos referirem que “o homem até era boa pessoa, mas que andava de cabeça perdida porque nunca aceitou o divórcio como solução para a má relação conjugal”.
O mais preocupante são as desculpas para encontrar explicações para um crime tão horroroso como este, a passividade com que muitas pessoas ainda encaram os maus tratos na chamada esfera do lar, considerando quase normal que “entre marido e mulher ninguém meta a colher”.
A violência doméstica, quer fisica quer psicológica, é um crime considerado público, o que quer dizer que qualquer pessoa pode ter um papel na denúncia destas situações. Quando souber que a sua vizinha, a sua amiga ou a sua familiar está a ser vítima deste crime deve denunciá-lo às autoridades sem qualquer complexo de culpa, porque está apenas a cumprir um dever de cidadania e de defesa dos direitos humanos.
Existem mulheres que ainda preferem dizer que deram uma queda ou que bateram com a cabeça numa porta, a reconhecerem que são maltratadas, porque têm medo e vergonha do que venha a acontecer. A essas temos que dizer que é sempre preferível assumir, enquanto ainda há tempo, do que se fechar e não partilhar o seu sofrimento, já que está provado que depois de acontecer uma vez acontecerá outras vezes e que os presentes e as flores que o agressor lhes oferece são presentes envenenados que durarão poucas horas ou dias.
Ninguém merece sofrer maus tratos; todos somos seres humanos e a mulher merece ser tratada com respeito e dignidade. Esta, entre outras temáticas, será debatida no Congresso Feminista. Acima de tudo somos pacifistas, queremos paz para todos os seres humanos - para as mulheres em particular, pois são elas que continuam a ser maltratadas, pela vida e pelos seus mais próximos.
Ninguém é dono de ninguém!


Guida Vieira

domingo, 4 de maio de 2008

Somos chamadas a responder


Há sensivelmente quase dois anos, inscrevi-me no fórum da Associação Portuguesa da Infertilidade. Não porque desejasse ser Mãe, mas porque sou muito próxima de quem queria e estava com enormes dificuldades em sê-lo. Conheci uma realidade que até então me passava ao lado. Eu, feminista assumida há uma data de anos, havia esquecido esta outra face: zelar e reivindicar pelo direito à maternidade.

Na altura, fui contactada por uma Mãe desejante da Região, que apenas queria partilhar dor. Acho que a decepcionei, quando lhe expliquei que apenas estava no fórum por solidariedade com alguém querido, mas que estaria disponível para um café, se assim ela o quisesse. Nunca me respondeu, suponho porque temesse não ser compreendida. Tenho a certeza que não, pelo menos, plenamente. Nunca me detive nestas questões, mas suponho que deva ser muito solitário. Mesmo a dois. Quando todos fazem perguntas; quando alguns são maldosos; quando se torna arma de arremesso…

Lembro-me de um programa que foi feito sobre a infertilidade num canal português; lembro-me de ouvir uma mulher que defendia que a infertilidade resultava dos comportamentos emancipatórios das mulheres, que não tinham filhos aos 20 e tentavam apenas quase aos 30 - que não ela, que fora corajosa e os tivera na idade certa e se congratulava pela sua fertilidade. Na verdade exibia-a como um troféu, esfregava-a maliciosamente nas pessoas participantes do programa, algumas com o drama da infertilidade em suas vidas. Lembro-me de ter lido, no fórum, os comentários que estes casais, que estas mulheres suportam. Dos familiares. De outras mulheres. De amigos. De conhecidos. De desconhecidos – como a mulher que telefonou para o tal programa a destilar condenações…
Parece-me urgente que respondamos ao apelo que estas mulheres fazem. Também somos chamadas a responder neste âmbito, em prol de mulheres que enfrentam tratamentos dolorosos, comentários maldosos, cobranças imbecis que apenas as ferem no seu âmago. É preciso trazer à agenda feminista as questões ligadas à infertilidade, da mesma forma que tornamos nossas (e bem) as questões da fertilidade. É preciso sacudir consciências e políticas.

Elisa Seixas

"No princípio era o Verbo"

Portanto, o lugar natural será a palavra. O silêncio também tem o seu lugar, pois o silêncio também fala, embora o seu registo seja diferente. O silêncio fala no olhar, no toque, na pungente mudez da palavra não dita.
A nossa história constitui-se de uma profusão de palavras babélicas, mediada pelos silêncios dos que perdem. Um desses silêncios foi o silêncio feminino. Das mulheres que durante séculos se deixaram ficar na sombra, no (des)conforto da privacidade do território doméstico. Não se escreveram. Deixaram-se escrever.
A conquista da escrita é também a conquista do pensamento - feminino. Da capacidade de se pensar e pensar as relações. O perigo terrífico da libertação da mulher passou pelos bancos das escolas, pela abertura ao fascínio das palavras a negro em papel branco. Pela capacidade de as repetir em voz alta e de as reler no seu íntimo. A partir daí, estabeleceram-se fios condutores, aparentemente frágeis, pequenas teias que lhe deram a oportunidade de se lançar no mundo e reinventar o seu papel.
A mulher ressurgiu no dia em que balbuciou o primeiro texto, reinventou-se no momento em que empunhou a primeira pena e desenhou-se em letras. Continua a escrever-se e a reinventar-se em cada minuto, dia, ano e século que passa. O presente blog apenas pretende fazer parte dessa escrita plural, uma pequena inscrição feminina na tentativa de combater a usura do tempo e da memória.
Aqui, procurar-se-á escrever mulher, mulher na ilha, mulher da ilha. Porque Ilha, tal como mulher, se declina no feminino - e também a Ilha precisa inscrever-se/reescrever-se nas actas do País a que pertence.

Elisa Seixas

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Génese

O presente blog tem por objectivo colocar a Ilha na rota do feminismo/feminino, o que equivale a dizer que pretende colocar a Ilha na rota do Congresso Feminista que terá lugar entre 26 e 28 de Junho, em Lisboa. É organizado pela UMAR - União de Mulheres Alternativa Resposta - à qual se juntou uma vasta Comissão Promotora, tornando-o um evento incontornável, em 2008. Acresce o facto de que acontece no ano em que se celebram os oitenta anos sobre o segundo grande congresso sobre a(s) temática(s) do(s) feminismo(s).

A primeira questão que se coloca é se o tema se mantém pertinente oitenta anos depois. A resposta é, clara e indubitavelmente, sim. Com outros contornos, com um agendamento diferente, com questões novas (e velhas também), já que as questões feministas ainda se encontram a caminho, não tendo encontrado ainda porto seguro.

O Congresso Feminista 2008 tem a pretensão de constituir-se um desses marcos de acolhimento e convite à reflexão que se quer revestida de carácter científico e, simultaneamente, interventivo. Para tal, teremos à mesa as/os principais investigadoras e investigadores do campo dos Estudos Sobre as Mulheres em Portugal, bem como as/os principais activistas que estiveram, estão e tencionam continuar a estar na luta por uma efectiva transformação social que promova a igualdade e respeito, nomeadamente entre géneros.

Por tudo isto, seria impensável - e imperdoável - que a Região Autónoma da Madeira não se colocasse na sua rota, tendo no seu seio três das fundadoras da UMAR, a saber, Conceição Pereira (dirigente durante muitos anos), Guida Vieira e Assunção Bacanhim. A estes nomes, juntam-se agora Célia Pessegueiro e Elisa Seixas, formando assim o núcleo duro da equipa de trabalho madeirense para o Congresso. Porque é tão urgente levar a Madeira ao Congresso Feminista quanto é trazer o Congresso Feminista à Madeira.

Aqui daremos conta de como chega até nós.