O pecado original da mulher foi ousar-se pensar. Ou melhor, o pecado da mulher - o original - foi o de ousar-se pensar em voz alta, num tom audível aos homens e às restantes mulheres, que continuam a vê-la menos que homem.
A mulher agigantou esse pecado quando saiu da sua esfera e ousou também ela pensar o homem, e as relações do homem. Tornou-se, também ela, ser político. E este último atrevimento ainda não lhe foi perdoado. Num espaço predominantemente masculino, a mulher consegue a pulso reinvindicar um espaço que seja também seu e permite-se, escandalosamente, a regressar do exílio a que foi votada.
À mulher não é reconhecido, naturalmente, mérito. O "naturalmente" aqui evocado prende-se à linha de raciocínio mais comum e que efectua um percurso inverso, consoante o género: o homem é competente até prova em contrário. A mulher, por outro lado, é incompetente até prova(s) em contrário. Ainda assim, pelos corredores, persiste na voz em surdina de outros homens e outras mulheres, alusões a esse espaço conquistado: sempre pouco lícito, troco de corpo - esse campo de batalha sangrento, onde sempre tombou a dignidade feminina, mas nunca a masculina.
Porque foi sempre considerada o pecado mais secreto do homem, em segredo era esperado que permanecesse. A sua ousadia é, por isso, sem limites. Imperdoável.
Persiste a diáspora feminina.
Elisa Seixas
5 comentários:
Bom texto Elisa mas, na minha opinião, enferma ele próprio de um pecado original: o mundo que descreves não é o mundo de hoje, é o mundo (vá la, o país) de há 30 anos.
É um discurso apaixonado (ainda que racional) de um feminismo conservador que corre o risco de contribuir para a descrença no movimento e nos (nobres e legítimos) objectivos que persegue.
Enganas-te. Falava dos corredores das terras pequenas, como a nossa. Basta pensar como as mulheres que ousam integrar o meio político são apodadas. Basta pensar no que ainda têm que ouvir.
Elisa
Não sei o que têm de ouvir. Mas mesmo algumas mulheres fundadoras da UMAR na Madeira (por acaso todas do BE) e uma das mais recentes aquisições desenvolvem actividade política na Madeira e estarão mais aptas a opinarem sobre o assunto. Suspeito, contudo, que dirão que as resistências sempre foram externas aos seus partidos...
Exactamente porque a oposição assenta nessas falácias manhosas. E não me refiro às pessoas que evocaste, mas certo é que, no que às mulheres diz respeito, evoca-se sempre essas piadas fáceis e redutoras. E já as ouvi em todos os quadrantes políticos. Nisso, há que reconhecer que os insultos são muito democráticos!
PS1: Pertenço à UMAR e não pertenço ao Bloco de Esquerda. Nem sequer desenvolvo actividade política na Madeira. Mas ouço o que se diz em função da actividade política. Ouço, conheço os comentários maliciosos, que nunca são do mesmo teor em questões de género.
PS2: Ando a ler o Stuart Mill. Curioso que, há distância de quase dois séculos, o texto permanece tão actual.
Atempadamente, aqui o trarei.
Elisa
isto anda um pouco para o morto: onde param as feministas madeirenses? pelo menos aquelas que integram a comissão de honra... debate precisa-se, urgentemente!
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