Se dúvidas houvesse sobre a pertinência de um congresso feminista 80 anos depois do último, o bastonário da Ordem dos Advogados desfê-las com as declarações que, um pouco por todo o lado suscitaram algum repúdio público. Não fiquei particularmente surpreendida, porque é este o discurso cada vez mais dominante: não são precisas medidas efectivas sobre estas questões, já que está tudo mais ou menos resolvido, já que estamos muito melhor que há vinte anos (e se pensarmos em relação a oitenta...). O discurso do "já não é preciso" é, na minha perspectiva, perigoso, na medida em que substima e escamoteia problemas reais, procurando despi-los da sua real dimensão. Aliás, o exemplo apresentado ilustra ess discurso cada vez mais disseminado entre homens e mulheres, que se dizem e querem emancipados.
Não tenhamos dúvidas: eu, cidadã do Estado Português, nunca me vi envolvida em nenhuma situação de violência doméstica; eu, nascida na Ilha da Madeira, tive acesso à educação e à possibilidade de me tornar uma cidadã com participação activa. Contudo, não é a partir do meu exemplo que pauto todos os outros. Sei, porque vejo adolescentes que continuam a ser educadas para o universo do lar, adestradas para a obediência e para poucas ambições fora desse plano. Sei, porque ouço adolescentes que continuam a referir-se às primeiras namoradas como propriedade, e os planos futuros construirem-se sobre uma ideia de um casamento que lhes traga uma mulher que lhes faça a comida. Sei, porque lhes ouço os comentários sobre como o ciúme é uma prova de amor, de preocupação, de carinho. E preocupa-me que digamos que agora está tudo bem - preocupa-me que alguém com responsabilidades acrescidas, como o Bastonário da Ordem dos Advogados, considere pertinente retrocedermos no que foi conseguido ao longo deste tempo e evoque - de forma mais polida, é certo - o velho ditado que entre marido e mulher ninguém deve meter a colher. E temos os dezassete óbitos destes primeiros meses de 2008 a confirmar a justeza de um retrocesso da natureza que o senhor evoca.
*A expressão é da autoria da Isabela, de O Mundo Perfeito.
Elisa Seixas
Não tenhamos dúvidas: eu, cidadã do Estado Português, nunca me vi envolvida em nenhuma situação de violência doméstica; eu, nascida na Ilha da Madeira, tive acesso à educação e à possibilidade de me tornar uma cidadã com participação activa. Contudo, não é a partir do meu exemplo que pauto todos os outros. Sei, porque vejo adolescentes que continuam a ser educadas para o universo do lar, adestradas para a obediência e para poucas ambições fora desse plano. Sei, porque ouço adolescentes que continuam a referir-se às primeiras namoradas como propriedade, e os planos futuros construirem-se sobre uma ideia de um casamento que lhes traga uma mulher que lhes faça a comida. Sei, porque lhes ouço os comentários sobre como o ciúme é uma prova de amor, de preocupação, de carinho. E preocupa-me que digamos que agora está tudo bem - preocupa-me que alguém com responsabilidades acrescidas, como o Bastonário da Ordem dos Advogados, considere pertinente retrocedermos no que foi conseguido ao longo deste tempo e evoque - de forma mais polida, é certo - o velho ditado que entre marido e mulher ninguém deve meter a colher. E temos os dezassete óbitos destes primeiros meses de 2008 a confirmar a justeza de um retrocesso da natureza que o senhor evoca.
*A expressão é da autoria da Isabela, de O Mundo Perfeito.
Elisa Seixas
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