domingo, 4 de maio de 2008

Somos chamadas a responder


Há sensivelmente quase dois anos, inscrevi-me no fórum da Associação Portuguesa da Infertilidade. Não porque desejasse ser Mãe, mas porque sou muito próxima de quem queria e estava com enormes dificuldades em sê-lo. Conheci uma realidade que até então me passava ao lado. Eu, feminista assumida há uma data de anos, havia esquecido esta outra face: zelar e reivindicar pelo direito à maternidade.

Na altura, fui contactada por uma Mãe desejante da Região, que apenas queria partilhar dor. Acho que a decepcionei, quando lhe expliquei que apenas estava no fórum por solidariedade com alguém querido, mas que estaria disponível para um café, se assim ela o quisesse. Nunca me respondeu, suponho porque temesse não ser compreendida. Tenho a certeza que não, pelo menos, plenamente. Nunca me detive nestas questões, mas suponho que deva ser muito solitário. Mesmo a dois. Quando todos fazem perguntas; quando alguns são maldosos; quando se torna arma de arremesso…

Lembro-me de um programa que foi feito sobre a infertilidade num canal português; lembro-me de ouvir uma mulher que defendia que a infertilidade resultava dos comportamentos emancipatórios das mulheres, que não tinham filhos aos 20 e tentavam apenas quase aos 30 - que não ela, que fora corajosa e os tivera na idade certa e se congratulava pela sua fertilidade. Na verdade exibia-a como um troféu, esfregava-a maliciosamente nas pessoas participantes do programa, algumas com o drama da infertilidade em suas vidas. Lembro-me de ter lido, no fórum, os comentários que estes casais, que estas mulheres suportam. Dos familiares. De outras mulheres. De amigos. De conhecidos. De desconhecidos – como a mulher que telefonou para o tal programa a destilar condenações…
Parece-me urgente que respondamos ao apelo que estas mulheres fazem. Também somos chamadas a responder neste âmbito, em prol de mulheres que enfrentam tratamentos dolorosos, comentários maldosos, cobranças imbecis que apenas as ferem no seu âmago. É preciso trazer à agenda feminista as questões ligadas à infertilidade, da mesma forma que tornamos nossas (e bem) as questões da fertilidade. É preciso sacudir consciências e políticas.

Elisa Seixas

10 comentários:

Anónimo disse...

Não poderia ter dito melhor...apesar de ter vivido o drama que foi tão bem aqui descrito!
Um agradecimento sincero às feministas que se lembram também de nós, porque esta é também uma questão feminina e feminista, embora, ainda, recente mas ja há muito urgente!

Anónimo disse...

A questão de fertilidade é hoje um enorme problema social! Como tal, é esquecida, adiada e camuflada!É preciso que se fale e, sobretudo, que se desmistifique e deixe de ser tabu.
Através de contributos como o este, que representam um pequeno mas importante passo, que lentamente as mentes se irão despertando para a condição dos casais inférteis que sofrem e lutam muito mais do que se imagina! Para aqueles que julgam que a infertilidade é castigo ou resultado de más opções de vida, só me resta dizer: ninguém tem culpa! Já pelo contrário, a ignorância e o preconceito é sempre culpa de quem os pratica!

Time Traveller disse...

Obrigada por este post tão cheio de sentido.

Acho que nestas questão delicada da gravidez o verbo fundamental é o QUERER. Tanto é gritante ter sem querer como querer e não poder ter.

madeiranofeminino disse...

Caras amigas:
Bem vindas. Esta é uma temática de extrema importância e folgo que faça sentido o que tentei transmitir.

Anónimo disse...

È cruel e crua os conflitos de nós mulheres sofremos, que haja ainda nos dias de hoje homens que não nos encarem da mesma maneira,também deixo aqui um lamento profundo aquelas mulheres que sofrem de violência sexual,e nada poderem dizer ou desabafar com alguém acreditam isto acontece no nosso meio social.
Por enquanto basta o cilêncio vou sofrendo,obrigado por este desabafo.

madeiranofeminino disse...

Cara amiga:Tem toda a razão. Ainda temos visões e comportamentos assentes sobre esse princípio. E é importante que sejam gradualmente desmontados.

Se quiser contactar-nos escreva para o nosso mail: madeiranofeminino@gmail.com

Sancho Gomes disse...

Vês minha amiga, não me custa concordar contigo, quando és menos radical:). Subscrevo na íntegra e saluto o movimento despertar para a "feminilidade" do feminino (porque sei que és uma feminista feminina quanto baste e não te sobram bigodes;).

Woman Once a Bird disse...

Despertar para a feminilidade - por oposição a quê?

Sancho Gomes disse...

Por oposição à modorra a que estava votado, no que toca a assuntos como a maternidade e como tu mesma reconheceste.
Há, indubitavelmente uma evolução do movimento feminista anglo-saxónico que há já muito tempo "despertou" para esta sua dimensão, por oposição aos movimentos francófonos (dos quais, parece-me, os movimentos portugueses ainda estão reféns ideologicamente) que insistem num modelo de oposição. Por isso repito: acho que há um despertar!

Anónimo disse...

A leitura que faço é diferente; é que a noção de feminilidade não passa só por maternidade, mas também. Ora, o problema a que os movimentos responderam primeiramente foi a essa coincidência absoluta da mulher como mãe.

Elisa