quarta-feira, 16 de julho de 2008

O Congresso Feminista e a Violência Sobre a Mulher


1- Participei no Congresso Feminista que se realizou em Lisboa em Junho e ao contrário do que alguns têm escrito sobre o feminismo, acho que este congresso foi uma grande realização, com uma participação de mais de 500 pessoas, cuja maioria foram realmente mulheres ligadas às Universidades, às Artes, às Letras e também ao Activismo do qual tenho muito orgulho em fazer parte.

2- Foi uma grande manifestação dos saberes e da inteligência das mulheres, muita vezes desprezada por quem domina as sociedades e sobretudo ignorada por aqueles que detêm o poder, que preferem manter o défice de participação das mulheres a fazê-las participar nas áreas de poder efectivo, pois isso pode colocar em risco o domínio masculino no mundo. Aí eles não brincam, nem abrem mão - basta ver o que esceveu Miguel Sousa Tavares sobre o congresso para entender que, em nome da “pseuda” igualdade de oportunidades, eles julgam que já deram tudo o que podiam “dar” às mulheres e que por isso não podemos exigir mais. Mas o congresso exigiu mais; exigiu um mundo sem violência, aquela que diariamente cai sobre muitas mulheres e que muitos fingem não querer ver, porque o que reina é a hipocrisia e o falso moralismo, que preferem ignorar o que se passa à sua volta, porque é assim que a sociedade está organizada para funcionar.

3- No entanto bastou uma personalidade pública, da área do poder regional, ver “in-loco” uma brutal agressão a uma mulher, perpetrada por um brutamontes, para se voltar a dizerr que, afinal há violência sobre a mulher e que o Governo Regional, ao contrário do que esta personalidade tem afirmado na parlamento, quando são propostas medidas mais concretas de apoio às vitimas neste tipo de situações, ainda não fez o que era possivel para colocar na ordem do dia medidas contra este tipo de problemas, que envergonham a democracia e os direitos humanos. E bastou este facto para ver a importância de alguns temas serem discutidos no feminino. Sim, porque se não forem as próprias mulheres a encontrar respostas para os problemas que as preocupam, ninguém fará isso por elas, é pena que algumas só acordem quando não há remédio.

4- O que se passou às claras na Estrada Monunental, e a passividade de quem “assistia”, é o pão nossso de cada dia em muitas casas de “família” da nossa terra, daquelas famílias mais tradicionais (algumas bem colocadas) que ainda consideram que a barbaridade de “entre marido e mulher ninguém meta a colher” é um bom “princípio” a manter. Santa hipocrisia! Por mim vou continuar, enquanto puder, não só a meter a colher, como a denunciar que a violência doméstica é um dos maiores flagelos da humanidade, que devia ser banida com pena de prisão imediata, afastamento do agressor da casa comum e com apoios especiais às vitimas para que estas possam viver, e sobreviver, com a dignidade que merecem.

5- E aos que dizem que já existem homens que também são vítimas de agressão de mulheres proponho que as mesmas medidas sejam a essas aplicadas, porque acima de tudo não queremos que os maus exemplos do machismo sejam trazidos para o feminismo. As feministas que se encontraram no congresso querem um mundo mais justo, igualitário, partilhado, diversificado, solidário, onde não se julgue com base no género e onde não exista violência de ninguém sobre ninguém e onde sejam respeitadas as opções de cada pessoa sejam elas políticas, ideológicas, sexuais ou religiosas. Quem está contra isto que tenha a coragem de se manifestar!


Guida Vieira
Publicado no DN Madeira a 16 de Julho de 2008

segunda-feira, 7 de julho de 2008

A Pobreza no Feminino: uma ilha no centro da Ilha


O trabalho que agora se apresenta resulta do esforço de quatro pessoas: Assunção Bacanhim, Célia Pessegueiro, Elisa Seixas e Guida Vieira, que se juntaram para fazer uma reflexão sobre a forma como a pobreza afecta as mulheres madeirenses. E iniciamos roubando as palavras do nosso conterrâneo Herberto Helder:

“O som de mulheres correndo, lembradas, correndo
Como éguas abertas, como sonoras
Corredoras magnólias.
Mulheres pela noite dentro levando nas patas
Grandiosos lenços brancos. (…).
Lenços vivos com suas patas abertas
Como magnólias
Correndo, lembradas, patas pela noite viva.
Levando. Lembrando. Correndo.”

Escolhemos trazer a este Congresso um retrato breve das nossas inquietações como mulheres feministas na Ilha. Como tal, afloraremos não o que se cumpriu, mas o que está por cumprir. O sub-título escolhido reflecte, de alguma forma, este incumprimento: a mulher madeirense é, muitas das vezes, uma ilha no centro de uma outra Ilha.

Não temos dúvidas em afirmar que a pobreza seja qual for a sua manifestação, constitui esse oceano que a aparta e a aprisiona nesta espécie de dupla insularidade. Sente, muitas das vezes, que está irremediavelmente só. Repetimos: não temos dúvidas em afirmar que a pobreza, seja qual for a sua manifestação, a par com o obscurantismo cultural e a luta pela defesa das necessidades básicas, afasta as mulheres da luta feminista. Acresce ainda que, paradoxalmente, o consumismo fácil que caracteriza os nossos tempos favorece todos os factores avessos à emancipação feminina.

Na Região Autónoma da Madeira esses factores são francamente visíveis, na medida em que existem múltiplas razões que vincadamente os explicam e perpetuam, quer no passado quer na actualidade. Enunciemos então, os mais gravosos:

No passado eram poucas as mulheres que trabalhavam fora de casa; as que escapavam a esta inevitabilidade, tinham rendimentos ainda muito baixos que provinham usualmente do bordado que faziam em casa, fruto de trabalho árduo até altas horas da noite à luz do candeeiro de petróleo. Estas mulheres, exploradas a todos os níveis mas sem qualquer participação na vida social, eram consideradas naturalmente inferiores com a missão primordial de cuidar da casa, do marido e dos filhos. Poucas eram as que podiam aspirar a uma vida diferente, já que só algumas tinham acesso à escolaridade obrigatória ou a bens culturais.

Em uma das conversas que promovemos em relação ao Congresso, dizia-nos o Professor Nelson Veríssimo que falta, na História da Madeira, a Mulher escrita – e portanto, a inscrição inequívoca do contributo feminino na História da Ilha. E alertou-nos para o perigo da história uma vez mais repetir-se – de as mulheres de hoje não transcenderem para amanhã as suas lutas muito suadas, na maioria das vezes a custos pessoais elevadíssimos.

No presente, apesar de uma notável transformação sobretudo ao nível das mentalidades – e graças a uma grande participação das mulheres, primeiramente na escola e depois no mercado de trabalho – assistimos ainda assim a um grande défice de participação e intervenção das mulheres no espaço público, muito por culpa do facto de a maioria trabalhar ainda nos sectores menos qualificados e, como tal, mal pagos – como por exemplo hotelaria e serviços; as mulheres constituem também a maioria dos pensionistas da Região, sujeitas a pensões de mera subsistência; a maioria, abandonada nos hospitais ou nas suas casas habitadas unicamente pelas mesmas, vive num completo abandono que não pode ser permitido em pleno século XXI.

Não poderíamos deixar de salientar que a violência doméstica continua a ser um flagelo suportado maioritariamente no silêncio dos lares, legitimado pela crença de que é natural que o homem possa descarregar as suas preocupações sobre a mulher. Esta crença fundamenta-se numa perpetuação de costumes ancestrais, em que as próprias mulheres interpretam, frequentemente, a agressão como manifesto de amor ou de preocupação. Muito há ainda a realizar no que diz respeito aos relacionamentos a dois, em que ainda se alimenta a noção de chefe de família, pedra angular do lar, tornando a mulher em assalariada sem salário, sujeito de muitos, de incontáveis deveres e muito poucos direitos. Salientemos também que são cada vez mais as mulheres que resistem e recusam este tipo de prática, optando corajosamente pela separação, suportando o peso da desaprovação das pessoas que constituem a organização social da localidade onde estão inseridas. A corroborar o que acabamos de afirmar, há registo de já no ano 2008, um homem ter morto a sua ex-mulher a tiro e alguns vizinhos o defenderem na comunicação social com os argumentos de que ele era uma boa pessoa e que obviamente o acto se justificaria com algo que ela certamente havia feito. Este constitui-se, certamente, como o nosso problema mais premente, como ilustram os dados da Presença Feminina, uma ONG dedicada a este problema, e que no ano transacto trabalhou com 379 mulheres agredidas, das quais 77 contactaram a organização pela primeira vez. De referir que no presente ano, foram atendidos 185 casos, dos quais 48 são novos.

Será também de assinalar o trabalho da religião nesta meada que agora desfiamos. Tradicionalmente, a Igreja tem um grande poder sobre a maioria destas mulheres, para quem os lugares “sagrados” representam, simultaneamente, um refúgio e uma alienação que as afasta de outras lutas. A este respeito, relembremos as palavras de Beauvoir, que nos diz que “Há uma justificação, uma compensação suprema que a sociedade sempre se esforçou por conceder à mulher: a religião. É preciso uma religião para as mulheres, como é preciso uma para o povo e exactamente pelas mesmas razões: quando condenam um sexo, uma classe, à imanência, é necessário oferecer-lhe a miragem da transcendência.” E a mulher madeirense continua metodicamente, embriagada por esta miragem da transcendência, a encher os bancos das igrejas, bem como os seus cofres; não esquecemos que ainda se cobra, em algumas paróquias, “a desobriga” pascal, uma espécie de indulgência fora de tempo. De salientar que uma instituição cuja organização reflecte uma clara exclusão da mulher dos cargos de decisão legitima e fomenta, em grande parte, a ausência da mulher nas decisões da organização social que também a ela diz respeito.

A pobreza financeira é também um problema maior. Muito se tem dito e escrito, sobre as supostas benesses fiscais concedidas à Ilha. Delas falam quem nunca teve que gerir o ordenado em função dos preços praticados sob a tirania da insularidade e das supostas despesas acrescidas no transporte. E o que é certo é que quando uma mulher está preocupada em contar os cêntimos até ao fim do mês para poder, pelo menos, comprar o mínimo para a sua familia não está aberta a outras questões que se lhe afiguram, no imediato, menos importantes; aliás, até considera ridículo que alguém lhe fale de outra coisa que não seja o que a preocupa: colocar comida na mesa.

Não é por acaso que muitas de nós, quando em contacto com estas mulheres, ouvimos algumas ofensas, tais como “se tivessem problemas como nós, não se preocupavam com essas tonterias de feminismos “.

Mulheres formadas e informadas apressam-se a afirmar que a luta pela emancipação já não se justifica, de que o feminismo está ultrapassado e de que é um disparate insistir nestas questões; de que, obviamente, devemos ser malucas ultrapassadas – ou a ultrapassar; e aqui surge então o velho chavão, repetido em forma de oração, de que certamente será a infelicidade que nos move nestas questões tão estapafúrdias.

É por tudo o que foi anteriormente enunciado que o conceito de pobreza não pode ser visto apenas do ponto de vista financeiro, embora tenha um grande peso para a evolução da mulher. É certo que ninguém se emancipa se não tiver acesso, primeiramente aos bens essenciais à sua sobrevivência, mas a pobreza de “espirito”, a mentalidade do deixa andar, o pretensiosismo, a ausência de comprometimento social, entre outros, são entraves para que as mulheres consigam dar maiores passos na sua emancipação.

Na Madeira, a nossa luta não tem sido, nem se afigura, fácil; aos inúmeros factores anteriormente explanados, acresce o facto de existir quem efectivamente concorde com as posições por nós defendidas; certo é que a maioria teme dar-lhes rosto, quer por medo dos estereótipos imediatamente associados, quer pela forte influência das diferentes formas de poder que não estão, de forma nenhuma, interessadas em que esta luta avance. Faz falta na Madeira um movimento permanente, resistente, que coloque na ordem do dia as questões femininas. Faz falta maior consciência social.

Urge que a mulher madeirense se torne objecto de reflexão e de preocupação pública; é imperativo que a mulher madeirense se pense publicamente e que não se deixe ensombrar pelos receios que a têm mantido arredada destas questões. Existem alguns exemplos mais recentes de que isto é possivel, mas para isso é necessária ajuda do movimento feminista nacional e da UMAR, porque a Madeira também é Portugal e porque o feminismo também tem que passar, obrigatoriamente, por nós.

Prólogo

A comunicação por nós apresentada aconteceu no dia 26, pelas 14 horas, na sala 3 da Fundação Calouste Gulbenkian, no painel Mulheres, Pobreza e Exclusão Social. Atribuímos à nossa intervenção o seguinte título: A pobreza no Feminino: Uma ilha no centro da Ilha.
A moderação do painel ficou a cargo de Vânia Martins. O comentário às várias comunicações, anterior ao debate, foi feito por Ana Maria Braga da Cruz.

Dia 26 - A agenda feminista




Subsídios para um entendimento plural.

Palavra de voluntária

Cheguei à Gulbenkian no dia 25, com as malas atreladas. Isto porque inscrevi-me como voluntária, pelo que havia muito que preparar.
Naquele dia, não consegui usufruir plenamente da Fundação. Aliás, conto lá voltar com mais calma, a fim de degustar calmamente dos jardins que rodeiam o edifício e fazem com que nos sintamos, estranhamente, no limite das salas onde decorrem os vários painéis.
Mas no dia em que cheguei, não percebi nada disto. Concentrei-me nas pessoas, tentando relacionar os rostos aos nomes que já conhecia pela troca de mail's.
Abriram-se as hostilidades pelas dezoito horas, quando tivemos permissão para começar a organizar as salas e distribuir os pc's, com os suportes informáticos enviados previamente pelas/os conferencistas. Deixamos o secretariado pronto para o dia seguinte.
Depois de assegurarmos o possível, reunimos num agradável restaurante numa rua próxima, um espaço magnífico que nos arrancava ao centro da cidade e nos transportava para um quintal simpático; distribuímos tarefas, aprofundamos cumplicidades, fixamos os rostos aos nomes. Gente de Braga, Porto, Coimbra, Lisboa, Açores e, claro, Madeira.
Pela primeira vez vi uma magnífica osga que nos observava atentamente, suponho que tentando decorar os detalhes, não fosse o caso de precisarmos de uma voluntária a mais.
Minhas senhoras e meus senhores: estávamos a escassas horas do início do Congresso.

Elisa Seixas

domingo, 6 de julho de 2008

Em breve

Daremos conta da nossa passagem pelo Congresso. Das nossas impressões, reflexões e afins. Traremos também a comunicação que apresentamos no dia 26, no painel de Mulheres, Pobreza e Exclusão Social. E fotografias.
É só um bocadinho, que queremos organizar a documentação.

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Fomos mais - a conversa de 18 de Junho

Anunciamos duas convidadas. Tivemos cinco.
A Lília Remesso e a Luísa Pessanha juntou-se a Dr.ª Altina Barros e a Dr.ª Teresa Carvalho. A primeira está afecta à Segurança Social de Câmara de Lobos; a segunda, da Equipa de Apoio às MulheresVítimas de Violência Doméstica. A juntar a este magnífico painel, tivemos a participação da Professora Helena Borges, da ONG Presença Feminina, responsável por magnífico trabalho também na área da violência doméstica.
A conversa esteve, portanto, bem lançada. Primeiramente, tomaram a palavra cada uma das nossas convidadas, e o público presente teve a oportunidade de conhecer uma outra face da nossa realidade. Falou-se de precariedade, de pobreza, de violência, de crianças. De linhas de emergência, de acolhimento, de cuidadores. Falou-se de mendicidade e de abrigos. De casas e da falta delas. De violência nas casas.
Primeiramente, tomou a palavra a Dr.ª Lília Remesso, que apresentou o trabalho realizado até aqui pela Associação para o Planeamento Familiar. Da sua vocação para a formação e informação, nomeadamente a hábitos mais saudáveis de relacionamentos a dois - do desenvolvimento da noção dos direitos sexuais e reprodutivos, bem como o desenvolvimento de competências parentais, nomeadamente nas populações mais jovens.
De seguida, foi dada a palavra a Luísa Pessanha, que apresentou a face oculta da Associação Protectora dos Pobres, muito para além da sopa que é comummente conhecida. Falou-nos de realibilitação e de auto-estima - da devolução da humanidade a homens e mulheres que se desapossaram dessa dimensão e que a determinada altura se julgaram indignos dela.
A Dr.ª Altina falou-nos do trabalho desenvolvido num dos concelhos mais problemáticos - e que é também o mais jovem a nível europeu. Neste concelho mais jovem, 95% das pessoas atendidas - e, portanto, carenciadas - são mulheres. Não será estranho, se ponderarmos que geralmente não pedem só por si mesmas. Um outro dado pertinente remete para o facto de as queixas em relação a violência doméstica aumentam nas zonas mais rurais do concelho.
A Dr.ª Teresa Carvalho alertou, por outro lado, para a total desesperança de que as mulheres sobreviventes de casos de violência sofrem. São, segundo as suas inspiradas palavras " ilhas na própria família". Abordou a ambivalência destas situações, dos desejos pouco claros, da dificuldade de discernimento e da confusão de afectos. Abordou também a perspectiva do maltratante a apontou para caminhos que podem remeter para a total recuperação de algumas relações que parecem quebradas. Apontou caminhos de mediação que restabelemcem laços de ternura.
Do outro lado, a Professora Helena Borges apresentou o magnífico trabalho da Presença Feminina, que desde 1995 tem efectuado um magnífico trabalho, apesar da escassez de apoios e de espaço. Para além da linha de apoio, detém uma casa-abrigo que tem constituído um balão de oxigénio para muitas mulheres sobrevivente de violência doméstica.
Foram mais de duas horas de conversa em que muito ainda ficou por dizer e discutir. Concluímos a conversa que ia longa, com a promessa de uma reedição.