sexta-feira, 30 de maio de 2008

Feminismo sossegadinho*

Robert Doisneau

Se dúvidas houvesse sobre a pertinência de um congresso feminista 80 anos depois do último, o bastonário da Ordem dos Advogados desfê-las com as declarações que, um pouco por todo o lado suscitaram algum repúdio público. Não fiquei particularmente surpreendida, porque é este o discurso cada vez mais dominante: não são precisas medidas efectivas sobre estas questões, já que está tudo mais ou menos resolvido, já que estamos muito melhor que há vinte anos (e se pensarmos em relação a oitenta...). O discurso do "já não é preciso" é, na minha perspectiva, perigoso, na medida em que substima e escamoteia problemas reais, procurando despi-los da sua real dimensão. Aliás, o exemplo apresentado ilustra ess discurso cada vez mais disseminado entre homens e mulheres, que se dizem e querem emancipados.
Não tenhamos dúvidas: eu, cidadã do Estado Português, nunca me vi envolvida em nenhuma situação de violência doméstica; eu, nascida na Ilha da Madeira, tive acesso à educação e à possibilidade de me tornar uma cidadã com participação activa. Contudo, não é a partir do meu exemplo que pauto todos os outros. Sei, porque vejo adolescentes que continuam a ser educadas para o universo do lar, adestradas para a obediência e para poucas ambições fora desse plano. Sei, porque ouço adolescentes que continuam a referir-se às primeiras namoradas como propriedade, e os planos futuros construirem-se sobre uma ideia de um casamento que lhes traga uma mulher que lhes faça a comida. Sei, porque lhes ouço os comentários sobre como o ciúme é uma prova de amor, de preocupação, de carinho. E preocupa-me que digamos que agora está tudo bem - preocupa-me que alguém com responsabilidades acrescidas, como o Bastonário da Ordem dos Advogados, considere pertinente retrocedermos no que foi conseguido ao longo deste tempo e evoque - de forma mais polida, é certo - o velho ditado que entre marido e mulher ninguém deve meter a colher. E temos os dezassete óbitos destes primeiros meses de 2008 a confirmar a justeza de um retrocesso da natureza que o senhor evoca.

*A expressão é da autoria da Isabela, de O Mundo Perfeito.

Elisa Seixas

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Madeira na rota do Congresso Feminista 2008 - Conferência de Imprensa

A UMAR, através do seu núcleo Regional de apoio ao Congresso Feminista 2008, convida os orgãos da comunicação social regional a estar presente numa conferência de imprensa que terá lugar no dia 28 de Maio, pelas 11 horas, no Café da FNAC, Madeira Shoping.

Esta conferência tem como objectivos divulgar a realização do Congresso Feminista 2008 que vai realizar-se em Lisboa entre os dias 26 a 28 de Junho e anunciar as iniciativas de âmbito regional integradas no mesmo, iniciativas essas que têm como lema Madeira na Rota do Congresso Feminista.

Desde já agradecemos a vossa presença.

Célia Pessegueiro
Elisa Seixas
Guida Vieira

Contacto:
madeiranofeminino@gmail.com

domingo, 25 de maio de 2008

Este é o MEU corpo

"A ela cabe tudo que é belo, até mesmo a própria palavra beleza... é uma boneca... estou cansada dessa farsa."
Germaine Greer

A farsa está presente em todos os quadrantes da nossa organização social. e apetece citar o poema de Wordsworth, e o esplendor na relva, a glória da flor aqui resume-se à aparência: ao parecer jovem e, acima de tudo, ao (a)parecer magra, que o resto é interdito.
Efectivamente, estamos peranteuma farsa, em que a mulher é, por excelência o elemento principal, mas também atenta espectadora. Deixa-se encarcerar nos padrões impossíveis criados por rostos anónimos que, antes como hoje, lhe ditam comportamentos e formas de estar aceitáveis ou não. E a mulher, não contente com o facto de se castigar, de punir o seu corpo e tentar transformá-lo à força no que não é - nem tem de ser - estende essa obsessão ao corpo das outras.
Agora como no princípio: o corpo, sempre o corpo: corpo belo, corpo deformado, novo corpo, corpo novo, corpo a esconder, corpo velho, corpo a mutilar, belo corpo, corpo gozado, corpo feio, corpo público. Para quando simplesmente corpo?
Elisa Seixas

Actualização: Comentário da Célia Pessegueiro

É um texto muito pertinente, sobretudo para a época que se avizinha. Os corpos ficam mais expostos devido ao calor que se faz sentir e a mentalidade dos novos tempos empurra, sobretudo as mulheres, para o abismo da perfeição. Este é o MEU corpo em vez de "o corpo é meo", passe a publicidade, determina a atitude confiante com que olhamos para o nosso corpo que é, em grande parte, como deixamos que os outros olhem para nós.

sábado, 17 de maio de 2008

Pecado Original

Salvador Dali

O pecado original da mulher foi ousar-se pensar. Ou melhor, o pecado da mulher - o original - foi o de ousar-se pensar em voz alta, num tom audível aos homens e às restantes mulheres, que continuam a vê-la menos que homem.
A mulher agigantou esse pecado quando saiu da sua esfera e ousou também ela pensar o homem, e as relações do homem. Tornou-se, também ela, ser político. E este último atrevimento ainda não lhe foi perdoado. Num espaço predominantemente masculino, a mulher consegue a pulso reinvindicar um espaço que seja também seu e permite-se, escandalosamente, a regressar do exílio a que foi votada.

À mulher não é reconhecido, naturalmente, mérito. O "naturalmente" aqui evocado prende-se à linha de raciocínio mais comum e que efectua um percurso inverso, consoante o género: o homem é competente até prova em contrário. A mulher, por outro lado, é incompetente até prova(s) em contrário. Ainda assim, pelos corredores, persiste na voz em surdina de outros homens e outras mulheres, alusões a esse espaço conquistado: sempre pouco lícito, troco de corpo - esse campo de batalha sangrento, onde sempre tombou a dignidade feminina, mas nunca a masculina.
Porque foi sempre considerada o pecado mais secreto do homem, em segredo era esperado que permanecesse. A sua ousadia é, por isso, sem limites. Imperdoável.
Persiste a diáspora feminina.


Elisa Seixas

terça-feira, 6 de maio de 2008

Violência Doméstica: um flagelo dos velhos e dos novos tempos

Continua a entrar pelas nossas casas a informação de que continuam a morrer muitas mulheres por crime de violência doméstica. Só no primeiro trimestre deste ano já morreram 17 mulheres; outras ficaram afectadas para toda a vida, muitas em estado grave, conforme anunciou a UMAR em conferência de imprensa.
Ainda há poucos dias, na Madeira, soubemos que um homem na Serra de Água matou a tiro a ex-mulher e depois deu cabo da própria vida. Ouvimos, sobre esse caso, alguns vizinhos referirem que “o homem até era boa pessoa, mas que andava de cabeça perdida porque nunca aceitou o divórcio como solução para a má relação conjugal”.
O mais preocupante são as desculpas para encontrar explicações para um crime tão horroroso como este, a passividade com que muitas pessoas ainda encaram os maus tratos na chamada esfera do lar, considerando quase normal que “entre marido e mulher ninguém meta a colher”.
A violência doméstica, quer fisica quer psicológica, é um crime considerado público, o que quer dizer que qualquer pessoa pode ter um papel na denúncia destas situações. Quando souber que a sua vizinha, a sua amiga ou a sua familiar está a ser vítima deste crime deve denunciá-lo às autoridades sem qualquer complexo de culpa, porque está apenas a cumprir um dever de cidadania e de defesa dos direitos humanos.
Existem mulheres que ainda preferem dizer que deram uma queda ou que bateram com a cabeça numa porta, a reconhecerem que são maltratadas, porque têm medo e vergonha do que venha a acontecer. A essas temos que dizer que é sempre preferível assumir, enquanto ainda há tempo, do que se fechar e não partilhar o seu sofrimento, já que está provado que depois de acontecer uma vez acontecerá outras vezes e que os presentes e as flores que o agressor lhes oferece são presentes envenenados que durarão poucas horas ou dias.
Ninguém merece sofrer maus tratos; todos somos seres humanos e a mulher merece ser tratada com respeito e dignidade. Esta, entre outras temáticas, será debatida no Congresso Feminista. Acima de tudo somos pacifistas, queremos paz para todos os seres humanos - para as mulheres em particular, pois são elas que continuam a ser maltratadas, pela vida e pelos seus mais próximos.
Ninguém é dono de ninguém!


Guida Vieira

domingo, 4 de maio de 2008

Somos chamadas a responder


Há sensivelmente quase dois anos, inscrevi-me no fórum da Associação Portuguesa da Infertilidade. Não porque desejasse ser Mãe, mas porque sou muito próxima de quem queria e estava com enormes dificuldades em sê-lo. Conheci uma realidade que até então me passava ao lado. Eu, feminista assumida há uma data de anos, havia esquecido esta outra face: zelar e reivindicar pelo direito à maternidade.

Na altura, fui contactada por uma Mãe desejante da Região, que apenas queria partilhar dor. Acho que a decepcionei, quando lhe expliquei que apenas estava no fórum por solidariedade com alguém querido, mas que estaria disponível para um café, se assim ela o quisesse. Nunca me respondeu, suponho porque temesse não ser compreendida. Tenho a certeza que não, pelo menos, plenamente. Nunca me detive nestas questões, mas suponho que deva ser muito solitário. Mesmo a dois. Quando todos fazem perguntas; quando alguns são maldosos; quando se torna arma de arremesso…

Lembro-me de um programa que foi feito sobre a infertilidade num canal português; lembro-me de ouvir uma mulher que defendia que a infertilidade resultava dos comportamentos emancipatórios das mulheres, que não tinham filhos aos 20 e tentavam apenas quase aos 30 - que não ela, que fora corajosa e os tivera na idade certa e se congratulava pela sua fertilidade. Na verdade exibia-a como um troféu, esfregava-a maliciosamente nas pessoas participantes do programa, algumas com o drama da infertilidade em suas vidas. Lembro-me de ter lido, no fórum, os comentários que estes casais, que estas mulheres suportam. Dos familiares. De outras mulheres. De amigos. De conhecidos. De desconhecidos – como a mulher que telefonou para o tal programa a destilar condenações…
Parece-me urgente que respondamos ao apelo que estas mulheres fazem. Também somos chamadas a responder neste âmbito, em prol de mulheres que enfrentam tratamentos dolorosos, comentários maldosos, cobranças imbecis que apenas as ferem no seu âmago. É preciso trazer à agenda feminista as questões ligadas à infertilidade, da mesma forma que tornamos nossas (e bem) as questões da fertilidade. É preciso sacudir consciências e políticas.

Elisa Seixas

"No princípio era o Verbo"

Portanto, o lugar natural será a palavra. O silêncio também tem o seu lugar, pois o silêncio também fala, embora o seu registo seja diferente. O silêncio fala no olhar, no toque, na pungente mudez da palavra não dita.
A nossa história constitui-se de uma profusão de palavras babélicas, mediada pelos silêncios dos que perdem. Um desses silêncios foi o silêncio feminino. Das mulheres que durante séculos se deixaram ficar na sombra, no (des)conforto da privacidade do território doméstico. Não se escreveram. Deixaram-se escrever.
A conquista da escrita é também a conquista do pensamento - feminino. Da capacidade de se pensar e pensar as relações. O perigo terrífico da libertação da mulher passou pelos bancos das escolas, pela abertura ao fascínio das palavras a negro em papel branco. Pela capacidade de as repetir em voz alta e de as reler no seu íntimo. A partir daí, estabeleceram-se fios condutores, aparentemente frágeis, pequenas teias que lhe deram a oportunidade de se lançar no mundo e reinventar o seu papel.
A mulher ressurgiu no dia em que balbuciou o primeiro texto, reinventou-se no momento em que empunhou a primeira pena e desenhou-se em letras. Continua a escrever-se e a reinventar-se em cada minuto, dia, ano e século que passa. O presente blog apenas pretende fazer parte dessa escrita plural, uma pequena inscrição feminina na tentativa de combater a usura do tempo e da memória.
Aqui, procurar-se-á escrever mulher, mulher na ilha, mulher da ilha. Porque Ilha, tal como mulher, se declina no feminino - e também a Ilha precisa inscrever-se/reescrever-se nas actas do País a que pertence.

Elisa Seixas

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Génese

O presente blog tem por objectivo colocar a Ilha na rota do feminismo/feminino, o que equivale a dizer que pretende colocar a Ilha na rota do Congresso Feminista que terá lugar entre 26 e 28 de Junho, em Lisboa. É organizado pela UMAR - União de Mulheres Alternativa Resposta - à qual se juntou uma vasta Comissão Promotora, tornando-o um evento incontornável, em 2008. Acresce o facto de que acontece no ano em que se celebram os oitenta anos sobre o segundo grande congresso sobre a(s) temática(s) do(s) feminismo(s).

A primeira questão que se coloca é se o tema se mantém pertinente oitenta anos depois. A resposta é, clara e indubitavelmente, sim. Com outros contornos, com um agendamento diferente, com questões novas (e velhas também), já que as questões feministas ainda se encontram a caminho, não tendo encontrado ainda porto seguro.

O Congresso Feminista 2008 tem a pretensão de constituir-se um desses marcos de acolhimento e convite à reflexão que se quer revestida de carácter científico e, simultaneamente, interventivo. Para tal, teremos à mesa as/os principais investigadoras e investigadores do campo dos Estudos Sobre as Mulheres em Portugal, bem como as/os principais activistas que estiveram, estão e tencionam continuar a estar na luta por uma efectiva transformação social que promova a igualdade e respeito, nomeadamente entre géneros.

Por tudo isto, seria impensável - e imperdoável - que a Região Autónoma da Madeira não se colocasse na sua rota, tendo no seu seio três das fundadoras da UMAR, a saber, Conceição Pereira (dirigente durante muitos anos), Guida Vieira e Assunção Bacanhim. A estes nomes, juntam-se agora Célia Pessegueiro e Elisa Seixas, formando assim o núcleo duro da equipa de trabalho madeirense para o Congresso. Porque é tão urgente levar a Madeira ao Congresso Feminista quanto é trazer o Congresso Feminista à Madeira.

Aqui daremos conta de como chega até nós.